Páginas

terça-feira, 7 de maio de 2013

Prefeito de Antas-Ba é acusado de manipular rede de distribuição de água para favorecer seus aliados políticos


Quem transita pela BR- 110, no Norte da Bahia, começa a sentir pelo olfato o drama da seca, a se arrastar por quase três anos. O forte fedor de carniça invade o carro em movimento, mesmo com os vidros fechados. Pelo acostamento da rodovia, as carcaças de gado, dezenas delas, garantem o banquete de urubus. "Esse é o cheiro da minha terra", lamenta o comerciante Ernandes Matos, em meio à vã tentativa de conter o choro.

O município de Antas tem pouco mais de 17 mil habitantes. Está localizado a 360 quilômetros de Salvador, próximo da divisa com os estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Engana-se quem acredita ser esta uma terra infértil e marcada pela miséria. Trata-se de uma próspera região de pecuária leiteira e de corte, além de abrigar o cultivo de milho e feijão. Isso quando há chuva, ainda que pouca. "Todos esperam um período de estiagem de três a quatro meses no verão. Ninguém estava preparado para aguentar tanto tempo", diz Matos. "O capim secou, nenhuma plantação vinga e o povo não tem mais de onde tirar dinheiro para comprar a ração do gado. Se minha mãe não tivesse ajuda dos filhos, teria perdido a roça."
No início de abril, a presidenta Dilma Rousseff anunciou a liberação de 9 bilhões de reais para o enfrentamento da seca no Nordeste, sobretudo com a prorrogação do pagamento de dívidas de créditos rurais e a ampliação do Garantia-Safra, que auxilia 779 mil famílias de agricultores em mais de mil municípios do Semiárido. Na ocasião, ela destacou a ampliação da oferta de água por meio da Operação Carro-Pipa. "Nós mantivemos 4.746 carros-pipa distribuindo água em 777 municípios, mas vamos ampliar essas ações. Chegaremos a 6.170 carros-pipa, um aumento de 30% da frota do Exército." Somente para a Bahia, o Ministério da Integração Nacional liberou 20 milhões de reais para a contratação de carros-pipa (12,4 milhões) e a distribuição de 130 mil cestas básicas (8,4 milhões). Poucos desses benefícios chegaram aos produtores de Antas. A prefeitura não aderiu, por exemplo, à Operação Carro-Pipa. Distribui água com recursos próprios por meio de três caminhões que não conseguem atender toda a população rural do município. Além disso, pesam denúncias contra o prefeito Wanderlei Santana (PP), acusado de manipular a rede de distribuição de água para favorecer seus aliados políticos.

Após uma denúncia feita pelo vereador José Lenivaldo Andrade (PDT), da oposição, o Ministério Público instaurou, em fevereiro, um inquérito civil para apurar o desvio de água nos povoados de Cabloco, Gravatá e Areia Branca por meio da manipulação de registros dos poços artesianos administrados pela prefeitura. "Em vez de distribuir igualmente a água em todas as roças, ele abre a torneira para as grandes propriedades, o pessoal que ajudou em sua campanha, e fecha a dos demais, sobretudo os opositores políticos", diz Andrade. Para solicitar a investigação, o parlamentar reuniu as assinaturas de mais de 80 produtores prejudicados, entre eles, o pecuarista Manoel de Sudre. "Desde o dia da eleição, nunca mais chegou água na minha roça. Minto, teve um dia que liberaram dez minutos de água. Só isso", afirma o criador, que abastece sua roça com baldes d'água guardados em seu Volkswagen Gol de 1998. "Faz mais de um mês que pedi para vir o carro-pipa da prefeitura, e nada. Eles se recusam a dar água porque apoiei o candidato da oposição. Enquanto eu votava neles, nunca tive problema."

A versão é confirmada por outros afetados. "Toda semana, tenho de pagar 150 reais para um carro-pipa levar água na roça da minha mãe. Ela pediu auxílio da prefeitura há quase dois meses, e até agora nada. Há, sim, favorecimento político. A minha família não votou no prefeito e eles sabem disso", diz Matos.

O prefeito Wanderley negou as acusações. "Jamais faria uma coisa dessas com uma coisa tão séria, que é a água em tempos de seca." Segundo ele, os registros são manipulados em forma de rodízio. Para abastecer uma propriedade, fecha-se a torneira das demais. Quando esta foi abastecida, é a vez da outra. "Às vezes demora mesmo uns 15 dias para chegar água numa roça, mas ninguém ligado à rede fica sem." Santana afirma que o município não aderiu à Operação Carro-Pipa do governo federal pelo fato de o programa ser voltado para o consumo humano. "O que falta em Antas é água para os animais. Fazemos o possível com os recursos que temos. Mas até onde eu saiba todos são atendidos pelos carros-pipa." De fato, os recursos municipais são exíguos, pouco mais de 2 milhões de reais por mês. Mesmo assim, ele mantém uma inacreditável promessa de campanha: construir um parque aquático na cidade. "A população não tem opção de lazer", justifica. "Não posso me pautar só pela seca."

Enquanto o prefeito mira um oásis de entretenimento no Semiárido, os produtores locais não param de olhar para o céu. Aproxima-se o inverno e com ele deveriam vir as chuvas. Até agora a fina garoa que eventualmente cai não é animadora. "Olha só, nem tingiu o asfalto", oberva Araujo. "Para começar a crescer o capim, precisa de pelo menos 15 milímetros de chuva. Esse chuvisco não adianta nada, só refresca um pouco o calor." *Com informações danielnoblog.com.br

Nenhum comentário: