Quem transita pela BR- 110,
no Norte da Bahia, começa a sentir pelo olfato o drama da seca, a se arrastar
por quase três anos. O forte fedor de carniça invade o carro em movimento,
mesmo com os vidros fechados. Pelo acostamento da rodovia, as carcaças de gado,
dezenas delas, garantem o banquete de urubus. "Esse é o cheiro da minha
terra", lamenta o comerciante Ernandes Matos, em meio à vã tentativa de
conter o choro.
O município de Antas tem
pouco mais de 17 mil habitantes. Está localizado a 360 quilômetros de Salvador,
próximo da divisa com os estados de Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Engana-se
quem acredita ser esta uma terra infértil e marcada pela miséria. Trata-se de
uma próspera região de pecuária leiteira e de corte, além de abrigar o cultivo
de milho e feijão. Isso quando há chuva, ainda que pouca. "Todos esperam
um período de estiagem de três a quatro meses no verão. Ninguém estava
preparado para aguentar tanto tempo", diz Matos. "O capim secou,
nenhuma plantação vinga e o povo não tem mais de onde tirar dinheiro para
comprar a ração do gado. Se minha mãe não tivesse ajuda dos filhos, teria
perdido a roça."
No início de abril, a
presidenta Dilma Rousseff anunciou a liberação de 9 bilhões de reais para o
enfrentamento da seca no Nordeste, sobretudo com a prorrogação do pagamento de
dívidas de créditos rurais e a ampliação do Garantia-Safra, que auxilia 779 mil
famílias de agricultores em mais de mil municípios do Semiárido. Na ocasião,
ela destacou a ampliação da oferta de água por meio da Operação Carro-Pipa.
"Nós mantivemos 4.746 carros-pipa distribuindo água em 777 municípios, mas
vamos ampliar essas ações. Chegaremos a 6.170 carros-pipa, um aumento de 30% da
frota do Exército." Somente para a Bahia, o Ministério da Integração
Nacional liberou 20 milhões de reais para a contratação de carros-pipa (12,4
milhões) e a distribuição de 130 mil cestas básicas (8,4 milhões). Poucos
desses benefícios chegaram aos produtores de Antas. A prefeitura não aderiu,
por exemplo, à Operação Carro-Pipa. Distribui água com recursos próprios por
meio de três caminhões que não conseguem atender toda a população rural do
município. Além disso, pesam denúncias contra o prefeito Wanderlei Santana
(PP), acusado de manipular a rede de distribuição de água para favorecer seus
aliados políticos.
Após uma denúncia feita pelo
vereador José Lenivaldo Andrade (PDT), da oposição, o Ministério Público
instaurou, em fevereiro, um inquérito civil para apurar o desvio de água nos
povoados de Cabloco, Gravatá e Areia Branca por meio da manipulação de
registros dos poços artesianos administrados pela prefeitura. "Em vez de
distribuir igualmente a água em todas as roças, ele abre a torneira para as
grandes propriedades, o pessoal que ajudou em sua campanha, e fecha a dos
demais, sobretudo os opositores políticos", diz Andrade. Para solicitar a
investigação, o parlamentar reuniu as assinaturas de mais de 80 produtores
prejudicados, entre eles, o pecuarista Manoel de Sudre. "Desde o dia da
eleição, nunca mais chegou água na minha roça. Minto, teve um dia que liberaram
dez minutos de água. Só isso", afirma o criador, que abastece sua roça com
baldes d'água guardados em seu Volkswagen Gol de 1998. "Faz mais de um mês
que pedi para vir o carro-pipa da prefeitura, e nada. Eles se recusam a dar
água porque apoiei o candidato da oposição. Enquanto eu votava neles, nunca
tive problema."
A versão é confirmada por outros afetados. "Toda semana, tenho de pagar 150 reais para um carro-pipa levar água na roça da minha mãe. Ela pediu auxílio da prefeitura há quase dois meses, e até agora nada. Há, sim, favorecimento político. A minha família não votou no prefeito e eles sabem disso", diz Matos.
O prefeito Wanderley negou as
acusações. "Jamais faria uma coisa dessas com uma coisa tão séria, que é a
água em tempos de seca." Segundo ele, os registros são manipulados em
forma de rodízio. Para abastecer uma propriedade, fecha-se a torneira das
demais. Quando esta foi abastecida, é a vez da outra. "Às vezes demora
mesmo uns 15 dias para chegar água numa roça, mas ninguém ligado à rede fica
sem." Santana afirma que o município não aderiu à Operação Carro-Pipa do
governo federal pelo fato de o programa ser voltado para o consumo humano.
"O que falta em Antas é água para os animais. Fazemos o possível com os
recursos que temos. Mas até onde eu saiba todos são atendidos pelos
carros-pipa." De fato, os recursos municipais são exíguos, pouco mais de 2
milhões de reais por mês. Mesmo assim, ele mantém uma inacreditável promessa de
campanha: construir um parque aquático na cidade. "A população não tem
opção de lazer", justifica. "Não posso me pautar só pela seca."
Enquanto o prefeito mira um
oásis de entretenimento no Semiárido, os produtores locais não param de olhar
para o céu. Aproxima-se o inverno e com ele deveriam vir as chuvas. Até agora a
fina garoa que eventualmente cai não é animadora. "Olha só, nem tingiu o
asfalto", oberva Araujo. "Para começar a crescer o capim, precisa de
pelo menos 15 milímetros de chuva. Esse chuvisco não adianta nada, só refresca
um pouco o calor." *Com informações danielnoblog.com.br
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