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quarta-feira, 20 de março de 2013

O vídeo de Feliciano e a desonestidade intelectual



O pastor Marco Feliciano completará na próxima quinta-feira duas semanas à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Até o momento não deu qualquer sinal de que entende, ou pretende entender, o que afinal significam direitos humanos ou direitos das minorias.

Quando assumiu o posto, em meio à gritaria diante de tantos absurdos propagados contra quem pretende representar, pediu um voto de confiança. O barulho continuou e ele resolveu revidar. Nesta semana, publicou em seu perfil no Twitter um vídeo, produzido pela WAP TV Comunicação, em que criminaliza abertamente líderes do movimento LGBT, religiões afrodescendentes e militantes que defendem, entre outras bandeiras, a regularização da prostituição e o casamento igualitário.

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A aparente reação do deputado aos protestos assusta pela precariedade dos argumentos e a oposição maniqueísta assumida. O tom é sempre “nós” contra “eles” – sempre atribuindo a “eles” o monopólio da truculência e um suposto projeto para garantir privilégios, dinheiro público e perverter a sacralidade da chamada “família”, entendida sempre como uma estrutura única, indissociável, intocável.

Não faltou um único argumento para mostrar que o deputado é, provavelmente, a pessoa menos capacitada a assumir o desafio da comissão: o desafio de ajudar a garantir a livre manifestação de quem tenta viver sem traumas, sem o ônus da exclusão, sem perseguições, piadinhas ou vergonha de ser o que é sem que alguém diga como e com quem deve se relacionar para ter paz. Mas Marco Feliciano faz de sua obsessão uma cruzada sob um argumento invertido: a de que não é aceito pelo simples fato de ser cristão. Como se fosse impossível ser cristão e estar em paz com o que se é; como se em alguma passagem da Bíblia houvesse um manual de uso correto do próprio corpo, da própria expressão; como se, ao subir aos Céus, Cristo tivesse orientado a amar ao próximo como a ti mesmo com um asterisco: não vale amar homem com homem nem mulher com mulher.

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Falta alguém explicar ao pastor, possivelmente com um vídeo mais didático, que um líder na Câmara, de qualquer comissão, pode ser cristão, judeu, budista, agnóstico. Só não pode ser desonesto. E desonestidade não é só empregar no gabinete funcionário fantasma. Ou ser acusado de estelionato. Ou reclamar quando algum fiel de boa fé entrega um cartão de crédito sem a senha. A desonestidade intelectual é a mais danosa das agressões praticadas por quem tenta criminalizar grupos vulneráveis com sofismas e trilha sonora de terror. Nada pode ser mais sintomático sobre as bandeiras representadas pelo deputado – longe, muito longe da paz e a unidade tão clamadas na Bíblia sobre a qual Feliciano se senta para espalhar o ódio e o apelo à exclusão.

*Leia reportagem completa em Carta Capital

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